Fernando Henrique Cardoso chegou à Presidência da República, em 1995, com a missão de colocar o País no caminho da estabilidade. Uma luta sangrenta contra a inflação, com armas ortodoxas e heterodoxas, fora travada em mandatos anteriores, sem sucesso.
Uma vez no Planalto, FHC tratou de levar adiante o Plano Real, que ele mesmo lançara no fim do governo Itamar Franco. Foi muito bem-sucedido nessa tarefa. A inflação, que na gestão anterior havia subido para uma média anual de quase 800%, caiu para 8,75% ao ano no segundo mandato de FHC.
Na promoção de crescimento econômico, porém, o governo patinou e nos dois mandatos o PIB se expandiu em média 2,5% ao ano. Bem pouco para um país que na época já era chamado de emergente - não mais de subdesenvolvido.
Por isso, o grande desafio de Lula, ao se eleger, era desenvolver a economia a taxas próximas das dos demais emergentes, sem ameaçar a conquista da estabilidade. Terminada a era Lula, pode-se dizer que ele chegou perto do objetivo. O crescimento médio anual do PIB situou-se em 4%, nada próximo do ritmo chinês ou do indiano, mas honroso, se forem consideradas as circunstâncias de crise global no segundo mandato.
E qual seria agora o grande desafio macroeconômico da recém-empossada presidente Dilma Rousseff? Eu o definiria em nove palavras: levar o Brasil para o mundo dos juros civilizados. Sem perder, obviamente, as conquistas de FHC e Lula.
O Brasil já se envergonha de algumas aberrações nacionais, como as deficiências em setores da infraestrutura, a insegurança dos cidadãos e o baixo nível educacional. Precisa também começar a ter vergonha da aberração dos juros.
Há décadas o Brasil ocupa as primeiras colocações entre os países com maior taxa básica de juros do mundo. Ainda hoje, a Selic está em 10,75% ao ano, nível absurdo quando comparado com 0,25% dos Estados Unidos, 1% na zona do euro ou 5,81% na China.
Mais vergonhoso se mostra esse cenário quando olhamos para as taxas internas cobradas pelas instituições financeiras dos tomadores, sejam pessoas físicas ou jurídicas.
Não quero aborrecer o leitor com excesso de números, mas vale citar alguns. As taxas mensais de juros para o crédito pessoal variaram de 1,12% ao mês até 26,35% ao mês na segunda quinzena de dezembro, dependendo da instituição financeira. No mesmo período, os descontos de duplicatas, para pessoas jurídicas, custaram de 1,07% a 4,88% ao mês.
As taxas máximas nesses empréstimos significam juro anual de 1.500% no caso da pessoa física e de 77% no da jurídica. São aberrações, sem dúvida, que mostram uma realidade bem distante daquela que poderia ser chamada de civilizada em matéria de custo do dinheiro.
Reduzir juros é crucial porque o crédito, no Brasil como em qualquer outro país, é o combustível financeiro da economia, fundamental, sobretudo, para impulsionar empreendedorismos que levam ao crescimento.
Em 2002, as operações totais de crédito no País representavam 20% do PIB. Em 2010, esse número se aproximou de 50%, num avanço razoável, explicado pela criação de mecanismos que proporcionaram a redução de juros em algumas operações, como o crédito para veículos e o consignado. Esse nível, porém, está ainda muito abaixo do verificado nas grandes economias, onde o crédito atinge 150% do PIB.
O desafio de Dilma nessa área, como se vê, é talvez tão grande quanto o enfrentado por FHC na estabilização e por Lula no crescimento e na distribuição de renda.
O sucesso vai depender, em parte, da austeridade fiscal, com corte de gastos correntes (não de investimentos) para permitir uma política monetária menos ortodoxa.
Mas o sucesso também vai depender de uma mudança cultural na administração dos juros, que sempre primou pelo conservadorismo exagerado e pela falta de ousadia.
O Brasil não pode e não precisa continuar disputando, ano após ano, a liderança do campeonato mundial do juro alto.
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